ADULTO FRUSTADO
Olá, meu nome é Inês e sou a criadora e
produtora deste blog.
Sinto-me impelida a compartilhar com vocês um
assunto muito polêmico que visa principalmente prevenir e orientar as famílias
contra a violência doméstica.
O que desejo destacar a partir desses relatos
sobre parte da minha vida é que a educação de um filho exige muita atenção e é
um aprendizado contínuo. Não há uma fórmula mágica ou um manual de educação;
cada família terá que encontrar seu próprio caminho para se adaptar aos seus
costumes e rotinas na criação de seus filhos, mas a violência certamente nunca
foi a melhor opção.
Às vezes, a criança ou adolescente vivencia
constantemente a violência verbal, com xingamentos e gritos, o que pode ser tão
prejudicial quanto qualquer outro tipo de violência.
Conforme Miles (2012, p.8) destaca:
"Comportamento agressivo inclui, na
maioria das vezes, gritos e berros ameaçadores. Uma menina de 16 anos não
consegue esquecer os berros que acompanhavam as agressões que sofreu: “Sem
dúvida, os piores momentos da minha vida. Alguém berrando, aterrorizando, você
assustada o tempo todo. Você não pode imaginar como era viver pensando que
aquele poderia ser o último dia da sua vida”. Uma menina de 8 anos relembra as
ameaças: “Ele dizia: ‘à noite, quando você estiver dormindo, eu vou matar
você’. Eu ficava com muito medo”.
Para o agressor, as palavras dirigidas à vítima
perdem o significado pouco tempo depois, todavia, para a vítima, isso pode
levar tempo demais, culminando em suas emoções psicológicas.
É muito triste observar ao nosso redor que o
uso da força física ainda é um meio de "educar".
Nossa sociedade está repleta de adultos
frustrados e infelizes devido às consequências da violência sofrida na
infância.
Sou a prova viva dessa realidade. Posso afirmar
que as surras, os gritos e as palavras duras que ouvi durante a minha infância
me afetaram profundamente, causando danos irreparáveis para o meu
desenvolvimento. Os reflexos de tudo isso me trouxeram traumas e amarguras
profundas durante boa parte da minha vida adulta.
Sofri muito até começar a buscar respostas para
tantas dores e limitações.
Fui uma criança extremamente tímida, insegura e
cheia de medos. Na escola, não conseguia abrir a minha boca para tirar uma
dúvida com o professor; eu ficava torcendo para algum colega ter as mesmas
dúvidas e perguntar ao professor, caso contrário, eu ficava com as minhas
dúvidas. Naquela época, não tínhamos acesso à internet nem a livros, não havia
biblioteca na escola, e meus pais não tinham condições para comprar livros,
então eu ficava sem respostas aos meus questionamentos, o que acabava limitando
o meu conhecimento.
Isso me atrapalhou muito ao longo dos anos;
perdi o interesse pelos estudos e acabei interrompendo quando cheguei no 5º
ano. Depois de 10 anos, voltei e terminei o Ensino Fundamental no Supletivo,
mas desisti novamente. Depois de mais 11 anos, retornei e concluí o Ensino
Médio, também no supletivo. Então, pensei, agora já deu, faculdade nem pensar.
Passou mais um tempo, e aos 38 anos, decidi
fazer um curso de graduação. Escolhi Pedagogia, pois era o único curso que me
identificava indiretamente naquele momento. Acredito que foi a melhor escolha,
pois os quatro anos de graduação me deram ainda mais condições de expressar um
sentimento que ainda me incomoda muito: a violência doméstica é algo destruidor
na vida do indivíduo.
Me formei com 42 anos de idade, feliz e
realizada.
O tema de pesquisa do meu TCC foi
"Violência doméstica: as repercussões na formação da criança e do
adolescente". Foi um trabalho que amei, mergulhei de cabeça. A cada artigo
ou livro que li para realizar minha pesquisa, sentia algo se movendo dentro de
mim. Confesso que me derramava em lágrimas, pois me identificava em muitos
fatores citados pelos autores.
Se alguém afirmar que apanhar lhe fez bem, por
favor, desconsidere o que vou pontuar a seguir. Minha intenção ao destacar tais
situações é justamente ajudar pessoas que enfrentam os mesmos traumas ou talvez
até auxiliar alguém a compreender um adolescente ou uma criança com um
comportamento considerado "inadequado".
Na minha pesquisa de TCC, procurei focar mais
no relacionamento entre professor e aluno em sala de aula, buscando entender
uma criança ou adolescente que está gritando por socorro através de seus
comportamentos.
Aqui, pretendo chamar a atenção de familiares,
amigos, vizinhos e até mesmo religiosos que frequentam alguma igreja. Por
favor, não ignorem, não critiquem quando uma criança ou um adolescente
apresentar um comportamento considerado "estranho" para vocês. Apenas
reflitam sobre o que pode estar acontecendo e quem sabe demonstrem um pouco de
amor em vez de críticas.
Vou contar um pouco, de forma resumida, sobre
meus tormentos de infância e adolescência até me tornar adulta.
Venho de uma família simples; minha mãe se
casou muito jovem, ficando viúva cerca de três anos depois. Desse casamento,
ficou com três filhos para sustentar, sem nenhum auxílio financeiro, pois
naquela época os trabalhadores rurais não tinham nenhum tipo de direitos
assegurados. Pouco tempo depois, minha mãe conheceu outra pessoa e teve mais
três filhos, eu e mais dois irmãos.
Meu pai era alcoólatra e trabalhava apenas para
manter o vício. As brigas eram constantes em casa. Meu pai nunca foi violento
com minha mãe ou conosco, mas costumava descontar sua raiva nos objetos,
amassando tampas de panelas, e as brigas e as palavras ofensivas entre eles
eram frequentes e nos assustavam muito, diminuindo-nos como seres humanos.
Minha mãe fazia questão de propagar para todos
os vizinhos os problemas da relação familiar, inclusive para nossos colegas de
escola, o que me fazia sentir muito desconfortável, chegando ao ponto de
desejar me esconder de todos, pois não me sentia à vontade com aquela
exposição.
Quando eu tinha sete anos, meus pais decidiram
se separar. Foi numa tarde, e os dois começaram a dividir tudo, talheres,
panelas, roupas de cama, entre outras coisas.
Levei alguns anos para conseguir decifrar meus
sentimentos daquele dia; por um lado, sentia uma pequena leveza no coração,
pois acreditava que as brigas cessariam e que tudo seria diferente. Mas, ao
mesmo tempo, sentia a dor da perda e a tristeza ao visualizar a cena do meu pai
juntando todos os seus pertences e socando dentro de sacolas, saindo com
tristeza no olhar, enquanto minha mãe, segurando as lágrimas, afirmava com
muita firmeza que tudo aquilo era necessário porque nosso pai não prestava para
nada e nunca foi um pai de verdade para nós.
Cresci profundamente ferida, enfrentando tempos
terríveis. Minha mãe precisava trabalhar para sustentar todos nós e não tinha
tempo nem condições psicológicas para entender a dor de um filho. Ela resolvia
tudo no grito, nas surras e, algumas vezes, desabafando sua própria dor e
sofrimento. Depois de um tempo, minha mãe casou-se novamente e teve mais um
filho, meu irmão mais novo. Dois anos depois, ela se separou novamente. Éramos
seis irmãos e passamos por muitas dificuldades financeiras.
Fui uma criança muito insegura, cheia de medo;
nunca confiei nas pessoas, e de certa forma, acredito que esse medo me protegeu
de muitas coisas ruins, talvez até de um abuso sexual, quem sabe? Quando as
pessoas tentavam se aproximar de mim, eu sempre me esquivava delas. Aprendi a
ser independente à força; as pessoas me elogiavam quando eu tinha uns 12 anos,
como se eu fosse um exemplo de menina nova, mas muito madura. O que ninguém
imaginava era quantas lágrimas eu derramava sobre o meu travesseiro durante a
noite e as angústias que sentia por não conseguir ao menos sonhar.
Até então, eu não desejava sequer construir uma
família, porque, na minha mente, as famílias não eram felizes e só brigavam.
Minha família sempre foi católica, mas não
praticante, e aos dez anos comecei a frequentar a catequese para fazer a
primeira comunhão. Gostava muito dessas aulas, pois aprendia coisas sobre Deus,
fé e religião, o que despertou um interesse maior em mim. Uma frase dita pela
minha catequista abriu novos horizontes de esperança para mim: “Tudo o que
estamos fazendo ou pensando, Deus está vendo e ouvindo”.
Minha religiosidade me aproximou de pessoas;
fiz amigos, mas o vazio dentro de mim ainda persistia.
Sentia-me culpada por ter nascido, pensava ser um
peso para minha mãe. Num de seus desabafos melancólicos, ela inconscientemente
nos culpou por suas escolhas erradas. Ela disse: “se não fossem vocês, eu
estaria vivendo muito bem com o meu pai”. Pouco tempo depois, certamente já nem
lembrava mais do que havia dito. Mas, para mim, foi como uma bomba; vocês não
imaginam o estrago que pode causar na vida de uma criança, enquanto que, para o
adulto, não é nada. Eu me perguntava, por que nasci?
Por que Deus nos deixa nascer se, na verdade,
só vamos atrapalhar a vida das nossas mães?
E a angústia aumentava a cada dia, levando-me a
desejar tirar a própria vida. Um dia, saí de casa decidida a me jogar na frente
de um carro no meio da rua, pensando que ninguém merecia viver daquele jeito.
Mas acabei sentando num ponto de ônibus e comecei a imaginar a cena; em
seguida, me questionei: e se eu não morrer? E se, em vez disso, ficar
debilitada, incomodando ainda mais minha mãe? Chorei muito e depois voltei para
casa.
Já trabalhava nessa época, tinha uns 14 anos
mais ou menos. Comecei a trabalhar como babá para uma família evangélica, e
essas pessoas me ajudaram muito em termos de conceitos familiares. Cuidei de
duas crianças maravilhosas por cinco anos; aprendi muito com essa família e,
nesse tempo, comecei a sonhar em me casar e ter filhos. O exemplo de vida deles
me motivou a crer ainda mais em um Deus vivo e verdadeiro, e acabei indo para
uma igreja evangélica.
Mas os traumas da infância ainda me
assombravam, e eu desejava muito resolver isso para me sentir aliviada. Tentei
conversar com minha mãe, mas ela é uma pessoa muito simples, com uma certa
"ignorância" sobre essa realidade. Infelizmente, até hoje, ela
acredita que fez o que era melhor e faria tudo de novo para "educar"
os filhos.
Depois de um tempo, convenci-me de que minha fé
em Deus havia resolvido tudo, e estava pronta para ser uma mãe diferente para
meus filhos.
Me casei, tive dois filhos, e para minha maior
tristeza, percebi que as raízes da violência doméstica ainda estavam presentes
em mim, eram mais fortes do que eu. Quando menos esperava, eu estava
reproduzindo os gritos e as surras com meus filhos. Depois, refletia e sofria
amargamente por minhas ações.
Meu esposo me ajudou a enxergar a realidade, de
que estava reproduzindo tudo o que vivi no passado. Mas precisei investigar o
passado de meus pais para entender o que aconteceu com minha mãe em sua
infância para deixá-la tão amarga e agressiva.
Não precisei ir muito além para compreender que
minha mãe apenas estava oferecendo tudo o que tinha dentro de si. Percebi que a
infância e adolescência dela foram muito cruéis; ela precisou se tornar mulher,
mãe e chefe de família muito cedo. Sofreu violência conjugal e foi traída
muitas vezes, entre outras adversidades.
Não estou justificando o comportamento de minha
mãe; sou totalmente contra o uso da força física ou violência verbal e
psicológica na educação dos filhos. Mas esse olhar foi importante para eu
conseguir arrancar essa dor que me destruiu por anos.
Chegou o momento em que precisei pedir
desculpas para meus filhos e explicar por que agi daquele jeito com eles.
Meu filho foi sincero durante essa conversa.
Ele disse: "Todas as vezes que você me batia, eu sentia vontade de me
vingar... Olha só, o que acontece com a violência! Sempre vai gerar
violência..."
Muitas pessoas religiosas podem pensar que Deus
cura tudo, mas posso afirmar que nem sempre apenas frequentar a igreja ou ter
fé resolve. Na maioria dos casos, é aconselhável buscar ajuda de um
profissional, fazer terapia e, em casos mais graves, até mesmo fazer uso de
medicamentos. Não foi o meu caso, mas acredito que se tivesse procurado algumas
sessões de terapia naquele momento, com certeza teria sido mais fácil.
Portanto, evitem julgar o comportamento das
crianças e dos adolescentes; muitas vezes, as birras, o choro, as
agressividades ou até mesmo uma timidez extrema podem ser sinais de que algo
está errado.
Da mesma forma, antes de julgar um adulto
frustrado, reflitam um pouco sobre o tipo de infância que essa pessoa teve...
Referências
MILES, Liz. Estudo de caso.
In:______. Vencendo a violência doméstica. Problemas da vida
real: Tipos de violência doméstica. São Paulo: Hedra, 2012
REFLXÃO
No silêncio sombrio da infância, ela navegou
pelas águas turbulentas do medo e da violência. Cada dia era uma batalha contra
a dor física e os tormentos psicológicos que se enraizavam em sua alma frágil.
Cresceu com a máscara da força, erguendo muralhas de bravura para ocultar as
cicatrizes que a vida lhe impusera tão cedo.
Por fora, parecia uma fortaleza, uma mulher de
semblante firme e determinado. No entanto, por dentro, os resquícios dos dias
sombrios da infância perduravam como sombras implacáveis. A depressão, a
ansiedade e a tristeza eram companheiras constantes, envolvendo-a em um véu de
solidão que parecia insuperável.
Ela ansiava por um refúgio, por um ombro onde
pudesse repousar suas angústias, mas o eco de sua dor reverberava em um vazio
assustador. A sensação de estar desamparada, sem alguém para acolhê-la em
momentos de fragilidade, corroía sua alma mais do que qualquer ferida física já
fizera.
Cada passo dado na jornada da vida era marcado
pela sombra do passado, que teimava em se projetar sobre seu presente. E assim,
ela caminhava, lutando contra os fantasmas que a assombravam, desejando
ardentemente encontrar uma luz capaz de dissipar a escuridão que a envolvia.
Pois, apesar de toda aparente fortaleza, no fundo de seu coração, ela era
apenas uma menina em busca de paz e acolhimento.
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